Xiiii, chamamos a pessoa errada…

Nos últimos tempos, alguns telejornais têm produzido matérias que ganharam espaço tanto nos debates teóricos sobre mídia quanto nos blogs de conteúdo humorístico. Refiro-me a algumas reportagens no mínimo constrangedoras com entrevistados que pareciam não dizer o que o entrevistador queria ouvir.

 Afirmar que um jornalista espera de antemão algum tipo de resposta ou reação por parte do entrevistado pode parecer contraditório se pensamos no ideal da imparcialidade jornalística[1], tão senso comum e ao mesmo tempo tão caro aos grandes centros de produção do jornalismo. Porém,  as entrevistas a que me dedico aqui são mais uma mostra de como esse ideal tem aplicação reduzidíssima na prática.

Na verdade, o conceito de “ideal” já remete à ideia de um ponto que, embora inalcançável na prática, deve servir de orientação à ação. O problema é que, no discurso jornalístico convencional, o conceito de imparcialidade parece continuar sendo tratado como uma caixa de Pandora, como se uma discussão ampla e aberta sobre o tema fosse necessariamente prejudicial à instituição do jornalismo. Talvez seja extremamente prejudicial a determinados interesses, mas ao jornalismo (ou aos jornalismos) em si essa autorreflexão só traria benefícios.

Em meio a essa discussão, é interessante perceber os momentos em que a atividade jornalística prática na grande mídia noticiosa esbarra nos próprios limites da sua fragilidade teórica. É aí que entram as matérias mencionadas acima.

Um elemento comum a todas as entrevistas a que farei menção é o fato de o(a) jornalista, ao se deparar com uma opinião contrária do que parecia estar esperando, insistir em uma determinada pergunta apenas parafraseando-a, à espera de que o entrevistado enfim responda de acordo com a sua aparente expectativa. Após haver discordância por parte do especialista, uma outra estratégia é suavizar a pergunta/argumento, como se isso a tornasse capaz atrair o convidado para a resposta esperada. É o que fez Monica Waldvogel em matéria sobre o livro que supostamente ensinava o brasileiro a falar “errado” (http://www.youtube.com/watch?v=fx9TtTYhQxw) e Leilane Neurbath, em entrevista sobre o uso de drogas entre os brasileiros com a professora Gilberta Acselrad (http://www.youtube.com/watch?v=K6kRpsoqeC8),

Essa segunda entrevista possui aspectos ainda mais interessantes. Ao ouvir da professora que as drogas fazem parte da experiência social de qualquer cultura, a entrevistadora recorre ao mecanismo do “convencimento eufemístico”. Depois de fracassar nessa busca, percebe-se no semblante e na fala de Leilane Neurbath uma espécie de revolta diante da posição da professora. A partir daí é rasgada a cartilha mais básica do jornalista imparcial: a jornalista não só procura sugerir respostas, como demonstra explicitamente a sua opinião sobre o assunto, inclusive a partir de uma menção à sua experiência pessoal de vida (citação particular aos seus filhos).

Não se trata de hierarquizar as opiniões, como se a do entrevistado ou “especialista” fosse necessariamente mais legítima do que a do jornalista. Embora na minha opinião seja recorrente o fato de os jornalistas da Globo News apresentarem (ainda que implicitamente) opiniões ou posições  deveras frágeis e superficiais, não vou entrar aqui no mérito dos debates presentes nas matérias. O problema está justamente na promessa de imparcialidade, que não é cumprida nem diante de parâmetros precários.

A promessa da imparcialidade traz embutida a pretensa voz superior da razão, contra a qual há apenas argumentos “parciais”; e é da conjunção dos argumentos e das posições “parciais” que o jornalismo dito imparcial vai buscar apresentar a “verdade dos fatos” ao público.

Essa espécie de veredito que o “jornalismo imparcial” conclama opera em um nível implícito, mas não imparcial; embora se apresente como mero organizador do debate público, sua narrativa jornalística raramente consegue ser algo diferente de um conjunto de elementos reunidos com o intuito de formar determinada história ou versão dos fatos. Essa narrativa é situada e alvo de vários filtros, e não neutra ou imparcial.

Mais recentemente houve mais dois exemplos de entrevistas geradoras desse tipo de estranhamento entre entrevistador e entrevistado, ambas as matérias tratando do momento de agitação popular envolvendo jovens pobres de áreas urbanas da Inglaterra. Uma das matérias é de um telejornal brasileiro e a outra é de um noticiário da Inglaterra.

Na entrevista do noticiário inglês, é aberto espaço de fala para um morador de um dos bairros mais afetados pelos levantes populares. O que se ouve é o depoimento de um morador que faz parte do cotidiano das tensões entre poder público e cidadãos pobres ingleses, um indivíduo cuja autoridade do argumento reside justamente no fato de ser um personagem que está inserido  no acontecimento retratado (http://www.youtube.com/watch?v=8W0dOuqWOAs&feature=related).

A ética jornalística convencional proclama o jornalismo como, entre outras coisas, um espaço em que os cidadãos podem manifestar sua insatisfação e indignação com o poder público. Esse espaço é de fato aberto nessa entrevista, o problema é que não é qualquer indignação que é aceita. A entrevistadora nitidamente esperava por um depoimento que condenasse os levantes e que imputasse aos populares toda a culpa pelos conflitos. A expectativa não é atendida, o entrevistado permanece rebatendo veementemente a posição da jornalista (sim, há uma posição), e  o noticiário faz aquilo que pode fazer quando a sua proposta fracassa: encerra a entrevista. Se na sociologia de Max Weber o Estado é aquele que detém o uso legítimo da força, no mundo midiatizado os grandes mass media são aqueles que detém o poder (legítimo?) de manter o microfone do entrevistado ligado.

Na matéria do telejornal brasileiro, os entrevistadores ao longo de toda a matéria procuram “sugerir respostas” a partir de um viés totalmente distinto daquele defendido pelo entrevistado, o sociólogo Silvio Caccia Bava (http://www.youtube.com/watch?v=HI1YSPHVeIA). O fato que impressiona aqui, mas que também esteve presente nas outras matérias, é a aparente total falta de conhecimento prévio dos jornalistas em relação ao perfil e às opiniões do entrevistado. A partir dessa observação não é nenhum exagero afirmar que os entrevistadores também não conhecem outro ponto de vista senão aquele que eles mesmos estão sugerindo – de fato sugerem, só que sob a máscara da “pergunta imparcial”. Ora, se a intenção é que aquela seja uma oportunidade de debate e reflexão, os proponentes desse debate mostraram seu total despreparo para o papel, pelo menos naquele momento.

Esse elemento aponta o forte componente mercadológico da grande mídia noticiosa. Embora sejam apenas um limitado recorte amostral do universo do que é produzido pela grande mídia, as reportagens apresentadas aqui permitem dizer que há, nesses casos, compromisso com um debate qualificado? A impressão que fica é que não.

Normalmente o que existe é a exigência de se falar sobre determinado assunto que, por diferentes motivos, ganhou grande repercussão. A presença de um “especialista” é importante porque reforça a autoridade e a legitimidade do jornal como entidade capaz de transmitir a informação adequada ao público. Depois de poucos minutos, a matéria é encerrada e o jornalismo da emissora pode seguir propagando que o seu espectador é um cidadão bem informado e que não fica por fora de nada. A grosso modo, é essa a lógica básica do “mercado” das notícias.

O modo demasiadamente apressado com que as discussões são apresentadas, a superficialidade do debate, a perpétua exclusão de determinadas visões de mundo e a frequente polarização dos debates só servem para desinformar, e não informar. O que está em jogo aqui é o próprio conceito de informação: para a mídia noticiosa, informação é necessariamente “rápida e objetiva”, enquanto o debate mais pausado e matizado pode ser acusado de enfadonho, complexo e pouco capaz de atrair o público.

O problema é que determinadas reflexões sobre diversos assuntos fundamentais simplesmente não podem ser geradas sob essa lógica. O pretenso pragmático é o primeiro a rebater essa crítica dizendo que a grande mídia possui compromissos fundamentais com rotinas produtivas e é limitada pela escassez do espaço de reprodução. As perguntas que ficam, então, são as seguintes: qual a lógica de fazer um jornalismo sob essas condições, em que a qualidade da informação e do debate é um elemento praticamente secundário? Que lógica, interesses, e mecanismos são responsáveis por manter esse tipo de jornalismo tão forte?

É evidente que a mídia e o jornalismo não podem levar a culpa pelas mazelas do mundo. A mídia não determina de modo automático as preferências e inclinações individuais. Ao contrário, soma-se a um conjunto de outros fatores que influem sobre a socialização dos indivíduos. Não obstante, sobretudo no mundo contemporâneo, é inegável o grande peso dos meios de comunicação sobre esse processo de socialização, motivo pelo qual devemos pensar novas formas de se produzir informação e de se retratar aquilo que acontece em sociedade.

No que diz respeito aos jornalistas, dizer que eles são os responsáveis pelos problemas apontadoas acima é apenas mais um argumento frágil. A lógica que alimenta essa forma de fazer jornalismo, assentada em elementos como o compromisso comercial e a dependência de rotinas produtivas, é muito complexa, impositiva e anterior a eles.

A crítica de que o jornalista não é incentivado a desenvolver um pensamento crítico também parece não se ater diretamente aos principais determinantes do problema. Creio que o fator-chave é o fato de os grandes veículos de comunicação ainda estarem impermeáveis a determinados setores da sociedade e a determinadas visões de mundo.

A própria Rede Globo, em inciativa louvável tomada recentemente, publicou um documento contendo seus princípios editoriais (http://g1.globo.com/principios-editoriais-das-organizacoes-globo.html). O documento reconhece que é impossível alcançar uma “verdade dos fatos”, que o conteúdo do material jornalístico é também produto das inclinações e opiniões dos jornalistas e do próprio veículo, que o jornalismo deve ser totalmente autônomo e que o seu papel é produzir um “primeiro conhecimento” sobre os acontecimentos. Tudo isso faz muito sentido, o problema é que parece haver pouquíssima aplicação na prática jornalística dos grandes meios de comunicação.

O jornalismo precisa discutir suas ambiguidades e seus dilemas ciente de que isso irá fortalecê-lo, e não enfraquecê-lo. Um dos dilemas mais importantes talvez diga respeito ao ideal da imparcialidade jornalística, tão mesquinho e tão limitador dos seus potenciais. A imparcialidade enquanto retratação neutra da realidade, imune a seleções e exclusões, é um ideal que não funciona nem mesmo confrontada com parâmetros precários. Talvez seja mais interessante pensar em novas formas de produzir informação mais transparentes, um pouco menos descritivas e mais analíticas, dando de fato espaço a diferentes pontos de vista por meio da pluralidade do acesso à produção.

É preciso ainda ter em mente que não existe uma representação dos acontecimentos capaz de captar o fato puro, neutro ou imparcial, simplesmente porque não existe fato sem ao menos uma representação situada dele. Se o papel do jornalismo é relatar e retratar o acontecimento para quem não pode ter acesso diretamente a ele, sua atividade por si só necessariamente gerará enquadramentos, seleções e exclusões. É preciso repensar se o jornalismo consegue de fato ser apenas descritivo, ou melhor, pensar se ele de fato deve ser apenas descritivo.

   Um indivíduo bem informado não é só aquele que é bombardeado por informações, mas principalmente aquele capaz de analisar, refletir, considerar diferentes variáveis e dialogar com diferentes pontos de vista. Na melhor das hipóteses, um indivíduo que é simplesmente bombardeado por informações possui ferramentas que não sabe utilizar. Ao propor na prática uma imparcialidade que é capaz de esgotar os fatos, o jornalismo imparcial não faz a sua parte na busca por estimular a capacidade crítica do indivíduo. Por outro lado, uma mídia plural cujos veículos utilizassem sua condição de atores sociais e políticos de forma transparente daria uma grande contribuição ao incremento da esfera pública.

 Mudanças substanciais como as propostas acima parecem ir de encontro à forma de financiamento dos grandes meios de comunicação, à organização oligopólica do mercado da comunicação e à própria busca pela sobrevivência das organizações tais como elas se encontram atualmente. Esses elementos só fazem lembrar que o processo de mudança social é extremamente imbricado e que a mídia é ao mesmo tempo causa e consequência de transformações nos mundos moderno e contemporâneo.


[1]   Para uma ampla discussão sobre o discurso da imparcialidade jornalística e os seus desdobramentos, ver MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. A produção da imparcialidade: a construção do discurso universal a partir da perspectiva jornalística. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 25, n. 73, p. 59-76, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v25n73/v25n73a04.pdf&gt;. Acesso em: 23 ago. 2011.

Um texto de autoria de Pedro Mesquita,

petiano do PET/POL entre 2009 e 2010.

4 comentários em “Xiiii, chamamos a pessoa errada…

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  1. Roberto da Silva Rocha, professor universitário e cientista político

    O panorama atual da mídia está inflacionado de novidades que nem sempre representam um avanço com relação ao passado.
    A evolução que nos foi imposta, que parece natural e inelutável, não é natural nem inevitável: ela é provocada e orquestrada em função do espetáculo.
    A espetacularização caracterizada pela cultura de massa na mídia de massa atual está presente nos mídia multimeios e multimodais convergentes nas modalidades: vídeo-computação-telefonia-rádio, (internet, televisão, rádio) tanto como convergente nas formas e meios de transmissão e suporte de tecnologia empregada.
    Tudo converge para o espetáculo. O que não é incomum não pode ser matéria boa para ser convergido. O que é comum tem de ser transformado em espetáculo para serem consumidos pelos mais diferentes suportes midiáticos convergentes que disseminam não informação, mas os subprodutos devidamente marketerizados e produzidos para tornarem-se atraentes e transformados em um dos gêneros padronizados do composite da indústria da comunicação de massa.
    Os gêneros importantes que estão em moda hoje são enquadrados em: jornalismo, novelas, reality shows, talk shows, revistas populares, entrevistas desestruturadas, humorísticos, mundo-cão, seriados, videoclipes, competições artísticas e esportivas.
    Para este complexo de espetáculos funcionar, os profissionais de mídia no front transformaram-se em parte do espetáculo midiático, isto exigiu que estes profissionais também fossem artistas.
    Isto significou uma enorme revolução. Estamos falando não somente dos atores de novelas, atores dos humorísticos, mas também dos atores dos telejornais, dos atores-entrevistadores, ou dos entrevistadores-atores, dos atletas-atores, enfim todos são convertidos para atores, tudo é transformado em espetáculo, e é arrancada dos participantes a sua atuação atora, compulsoriamente.
    Todos que figuram neste meio midiático são, por um instante, peças dramáticas, componentes vitais deste enorme teatro de representação da realidade midiática e participam compulsoriamente do único espetáculo em que se transformou a mídia: do pastor, ao padre, passando pelo pedestre apanhado de surpresa na via pública pelo repórter que tem de extrair deste eventual participante o inusitado, o grotesco, o insólito e o artístico para preencher a sua pauta de rua.
    Diante desta necessidade criaram-se requisitos especiais para a atuação destes agentes midiáticos. O primeiro deles, e o mais importante, é a apresentação pessoal. Em segundo plano vem a capacidade de empatia, no caso, de identificação imediata com a massa espectadora. Em seguida vem o carisma que pode ser herdado de sua participação como celebridade até mesmo em outras especialidades, mesmo que ainda outrora não tenham sido midiáticas, como, por exemplo, desportistas, cabeleireiros, diretores, escritores, enfim alguma atividade ou comportamento especial, como os milionários, por exemplo, que, na linguagem antropológica, seja potencialmente ou de fato algum destacado formador de opinião que consiga catalisar esta empatia em um cenário de representação midiática.
    Uma vez identificado este agente ele é logo preparado para atuar neste cenário, para começar a produzir virtualidades dentro de um cenário verossímil, com requer a busca única pela audiência hegemônica dos espectadores.
    Neste mundo-cão, o limite fica estabelecido de modo sutil, como é sutil a linha que separa o erotismo da vulgaridade, a idiotice da bizarrice.
    As mentes mais sofisticadas sentem-se totalmente deslocadas deste mundo imbecil. O limite entre os modos de percepção da realidade e da virtualidade midiática ficam cada vez mais embotados quanto mais o espectador se deixa envolver emocionalmente, num contrato tácito entre ele, o espectador, e o meio midiático, que assim estabelecem uma mútua cumplicidade que anula por completo qualquer senso crítico ou capacidade de alerta contra os mais elementares vestígios de contato com a realidade.
    O reforço a este comportamento de massa vem da confirmação que a legitimização proporcionada pela cumplicidade advinda da percepção de que a maioria das pessoas está socializada e condicionada à linguagem cênica e aos símbolos icônicos que comunicam e decodificam as mensagens e os gadgets privativos e familiares aos iniciados.
    Os valores artísticos, culturais, científicos, religiosos, morais, legais ficam relativizados, flexibilizados, neste mundinho de fazdeconta, onde outras regras se subordinam e são subordinadas ao gênero específico, então, somente vale a emoção e o envolvimento sensorial, adormecidos ficariam o senso crítico, a razão, e, consequentemente, o contato com a realidade do mundo exterior ao massa-mídia.
    Neste estado de fragilização moral e intelectual não é preciso muito esforço intelectual para a produção de grandes sucessos midiáticos. Não estou dizendo que seja sucesso fácil. Ao contrário, a fórmulas são repetidas à exaustão, mas sempre enxertadas de elementos novos, que vão sendo criteriosamente colhidos para tornar novo o repetitivo sem que o espectador perceba as variações contínuas sobre o mesmo tema.
    Mudar para continuar o mesmo, copiar mudando e criar recriando o gênero. O segredo é o envolvimento emocional, através de uma porta sensorial aberta pela ocasião. Estabelecida a cumplicidade entre o espectador e o meio logo um contrato de fidelidade é assumido tacitamente, e ele começa a defender e a torcer fanaticamente por tudo que seja relacionado ao processo de produção e de disseminação, o que acaba reproduzindo e ampliando a cumplicidade de modo a não dar chance aos marginalizados da razão coletiva.
    A razão de ser está justamente na avassaladora audiência que gera um consenso hegemônico capaz de linchar e de aterrorizar qualquer voz discordante, obrigando a calarem-se a minoria crítica e desligada do processo de lavagem cerebral coletivo, num fenômeno de histeria de massa que é reforçado e obtém o seu reforço da repetição e da massificação fascista e histérica do inconsciente coletivo.
    Tudo vira mito. Os mitos prescindem de explicação, valem por si só. Uma verdade dita por todos sempre é uma verdade. Quando todos acreditam numa mesma coisa, somente os paranóicos enxergam outra realidade. Então começam a duvidar da razão minoritária. Quem são os loucos? É difícil estar sozinho, principalmente ao lado da razão solitária, sem parecer loucura. É preciso se isolar e reconstruir a realidade longe dos elementos disponíveis e fora da corrente geral e do consenso, mesmo parecendo esquisito e antisocial. Um bicho estranho. O que anda na contramão. O exótico. O irracional.

  2. Muito bom o texto. Já tinha dado as minhas risadas desses eventos mas é sempre bom ver essas análises.
    Senti falta de comentários sobre o fenômeno inverso, de quando chamam sempre os mesmos “especialistas” ou de quando esses adaptam suas teses às expectativas dos jornalistas.(Há incentivo de não ser ridicularizado na televisão e o de ser chamado novamente)

  3. Bem quero parabenizar ao PET/POL pela produção de mais um texto de notável qualidade e relevância!

    Senti-me ideológicamente representado pelo conteúdo do texto. Concordo com o que foi apresentado, no entanto não podemos nos esquecer que, essencialmente, o Jornal é uma empresa, portanto acima de qualquer ideal ou papel messiânico, a Midia possui um compromisso anterior com o lucro. Sinto-me na obrigação de compartilhar algumas da idéias do nosso saudoso professor Milton Santos:

    “O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada
    que, em lugar de esclarecer, confunde. Isso tanto é mais grave porque, nas condições atuais da vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia. O fato de que, no mundo de hoje, o discurso antecede quase obrigatoriamente uma parte substancial das ações humanas – sejam elas a técnica, a produção, o consumo, o poder – explica o porquê da presença generalizada do ideológico em todos esses pontos. Não é de estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa.

    Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual do discurso e a retórica
    são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela busca convencer. Este é o trabalho da publicidade. Se a informação tem, hoje, essas duas caras, a cara do convencer se torna muito mais presente, na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a produção. Brigando pela sobrevivência e hegemonia, em função da competitividade, as empresas não podem existir sem publicidade, que se tornou o nervo do comércio.

    Há uma relação carnal entre o mundo da produção da notícia e o mundo da produção
    das coisas e das normas. A publicidade tem, hoje, uma penetração muito grande em todas as atividades. Antes, havia uma incompatibilidade ética entre anunciar e exercer certas atividades, como na profissão médica, ou na educação. Hoje, propaga-se tudo, e a própria política é, em grande parte, subordinada às suas regra.

    As mídias nacionais se globalizam, não apenas pela chatice e mesmice das fotografias e
    dos títulos, mas pelos protagonistas mais presentes. Falsificam-se os eventos, já que não é
    propriamente o fato o que a mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia. Pierre Nora, em um bonito texto, cujo título é “O retorno de fato” (in História: Novos problemas, 1974), lembra que, na aldeia, o testemunho das pessoas que veiculam o que aconteceu pode ser cotejado com o testemunho do vizinho. Numa sociedade complexa como a nossa, somente vamos saber o que houve na rua ao lado dois dias depois, mediante uma interpretação marcada pelos humores, visões, preconceitos e interesses das agências. O evento já é entregue maquiado ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, e é também por isso que se produzem no mundo de hoje, simultaneamente, fábulas e mitos.”
    (SANTOS, Milton (2000) Por uma outra globalização).

    Mais uma vez, parabéns!

    Frederico Silva
    Strategos – Empresa Jr. de Consultoria Política

  4. Gostaria de agradecer os atentos comentários e os elogios dos leitores do blog do PET. Mais do que apresentar uma ideia, o debate me interessa bastante.
    Chico Venâncio, a verdade é que o fenômeno inverso que vc mencionou é a regra. As matérias abordadas no texto são apenas exceções, que quando ocorrem demonstram o quão seletivo é o mecanismo de filtro dos meios de comunicação. A concretude e o choque presentes nessas matérias foram os elementos que me fizeram utilizá-las como estudo de caso, para que o argumento apresentado pudesse ficar mais nítido ao leitor. É importante ressaltar que esses filtros fazem parte de qualquer interpretação da “realidade”, ou seja, qualquer representação de um acontecimento é situada e necessariamente enviesada. O problema é o modo como a ética jornalista convencional passa por cima disso, a partir da ausência de discussão sobre o próprio papel do jornalismo. Ou ainda, quando essa discussão é feita, é aberto espaço para as mesmíssimas concepções e argumentos.

    O(a)s “especialistas” que são recorrentemente chamados a falar nos grandes veículos de mídia são mais um componente do “mercado de notícias” que eu descrevi no texto. Nesses veículos, ele(a)s costumam aparecer de duas formas, a meu ver.

    Uma delas é quando são chamados para falar após toda a narrativa implícito-argumentativa de uma matéria, a partir de um tom de conclusão. O interessante é observar que, em muitos desses casos, o(a) entrevistado(a) dá uma contribuição um tanto quanto óbvia, o que remete ao fato da autoridade da voz especialista: não importa propriamente o que ele está falando, mas sim que ELE(A) está falando autorizado pelo título de “cientista político”, ou “cientista social” ou “economista” que carrega consigo. Outro elemento que pode estar presente nessas matérias é a legitimidade e superioridade do argumento técnico e neutro, como se a opinião veiculada fosse necessariamente técnica ou neutra, ou seja, aquela posição é apresentada como a única opinião possível, e não como uma entre várias possíveis. Em alguns casos esse fenômeno pode não ter tanta relevância, por não levantarem tantas tensões ou tanta polarização, mas para os debates presentes nas matérias citadas no texto, por exemplo, essa redução do “universo do possível” a partir do discurso da imparcialidade é perversa e extremamente prejudicial ao debate público.

    Um segundo modo de apresentação comum dos especialistas é quando eles têm um espaço importante na matéria, têm a possibilidade de se aprofundarem no debate, mas o fazem a partir de uma visão setorial, fragmentada e não sistêmica do tema abordado. Essa ocorrência tem implicações especialmente interessantes para a Ciência Política, porque envolve o próprio conceito do que é política.
    O comentarista “político” dos noticiários via de regra é aquele que acompanha as eleições, o Congresso e o Planalto, e ponto final. O resultado disso é uma cobertura preocupada com a corrida eleitoral, com os trâmites de matérias legislativas, com as fofocas de bastidores, com as barganhas e com a pauta do denuncismo, como se esses temas fossem necessariamente aqueles que conceitualizam o termo “política”. Ora, isso por si só também contribui para uma visão generalizada de que só os políticos profissionais têm acesso política, e de que política nada mais é do que barganha. Enquanto isso, o debate de ideias e os exemplos de ação política que se situam espacialmente distantes de Brasília passam apenas ao largo do debate midiático. É certo que esse tipo de apresentação do especialista contribui para o debate, mas apenas de forma reduzida, porque considera apenas uma variável do problema, e raramente é aberto espaço para outras correntes igualmente importantes para a compreensão do tema. Isso provoca uma sedimentação de uma versão do que é tido como política, prejudicando a composição de uma visão sistêmica sobre os problemas “políticos”, que deveria englobar diferentes ferramentas teóricas, cada uma atuando dentro do seu potencial de contribuição.

    Frederico Silva, por isso que é complicado discutir mudanças na mídia enquanto ela ainda estiver essencialmente comprometida com os aspectos comerciais e com o lucro. Não quero aqui puxar demais o debate, mas isso diz respeito ao próprio debate sobre até onde uma empresa privada pode ir em busca do lucro. O certo é que no formato de funcionamento das grandes empresas de comunicação de hoje, é muito difícil fazer uma projeção otimista. Creio que, para mudar o atual quadro, é necessário haver, antes de tudo, consciência do papel social que a mídia ocupa hoje. Os debates sobre mídia deveriam receber atenção especial da academia, das nossas instituições políticas e dos próprios meios de comunicação. Creio que, uma das conclusões de um amplo debate sobre o tema seria a necessidade de haver maior controle social sobre os meios de comunicação, que hoje só existe de forma irrisória. Dizer, como alguns jornalistas sempre dizem, que esse controle já existe devido à “livre” competição por audiências é só mais uma falácia que, curiosamente (ou não…), remonta às lacunas da teoria política liberal.

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